
MUL.APIN - como os babilônios previam eventos astronômicos?
MUL.APIN é o nome de uma compilação astronômica babilônica registrada por volta de 1000 a.C., em escrita cuneiforme sobre tábuas de argila. Ela representa a transição entre a observação empírica dos céus e o surgimento da astronomia como ciência sistemática.
O conteúdo dessas tábuas não é apenas observacional. Trata-se de uma tentativa de organizar o firmamento em padrões regulares, o que demonstra uma abordagem científica precoce. Ali vemos uma listagem de 66 estrelas e constelações, divididas nos três caminhos do céu: Enlil (norte), Anu (equador celeste) e Ea (sul).
Essa divisão em três zonas celestes foi essencial para a criação de um sistema coordenado que os babilônios usavam para prever eventos astronômicos sazonais. Além disso, MUL.APIN também contém listas com os horários do nascer e pôr das estrelas ao longo do ano, o que permitia controlar calendários agrícolas e religiosos com grande precisão.
A MUL.APIN também é importante na tradição astral divinatória. Ela estabelece uma base sólida para textos como o Enuma Anu Enlil, conectando fenômenos astronômicos a presságios interpretados pelos sacerdotes. Ainda que o objetivo fosse religioso ou político, a coleta de dados astronômicos era meticulosa.
Mas, devemos reconhecer que a MUL.APIN vai além da astrologia. Ela introduz elementos de tempo diurno e noturno, movimentos planetários, fases lunares e até ciclos como o da Lua de 18 anos — elementos que influenciaram a previsão de eclipses via o ciclo de Saros, ainda que de forma implícita.
A MUL.APIN apresenta também os doze meses do calendário lunissolar babilônico, com correções periódicas para alinhar o ciclo lunar ao ano solar. Esse sistema permitiu uma regularidade que foi usada tanto na agricultura quanto na astrologia judicial.
É como se fosse um manual astronômico e enciclopédico! Até mesmo a associação dos planetas aos deuses já está ali esboçada. E o mais notável: as informações das tábuas serviram como base para modelos astronômicos gregos, especialmente os de Hiparco e Ptolomeu, mais de meio milênio depois!
Além disso, estudos modernos em simulações celestes mostram que os dados da MUL.APIN correspondem a observações feitas no céu da Babilônia por volta de 1370–700 a.C. — ou seja, estamos falando de gerações de observadores acumulando conhecimento antes da compilação final.
É por isso que a MUL.APIN é considerada, com razão, um marco fundacional da astronomia. É o elo entre a tradição oral, a adivinhação celeste e a ciência dos céus como a conhecemos.
Referências
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KOCH-WESTENHOLZ, U. (1995). Mesopotamian Astrology: An Introduction to Babylonian and Assyrian Celestial Divination. Museum Tusculanum Press.
NEUGEBAUER, O. (1969). The Exact Sciences in Antiquity. Dover Publications.
ROCHBERG, F. (2004). The Heavenly Writing: Divination, Horoscopy, and Astronomy in Mesopotamian Culture. Cambridge University Press.
STEELE, J. M. (2008). A Brief Introduction to Astronomy in the Middle East. Saqi Books.
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Autoria
Andressa Saravia - MBA em Marketing na USP Esalq
Amante do conhecimento científico. "O país da bola e do samba no pé, ainda será reconhecido pela criatividade de suas mentes brilhantes, e assim então, terá seu futuro nas mãos." - Andressa Saravia.