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Da Microescala ao Espaço: Como as interações entre líquidos e superfícies sólidas revelam dinâmicas fundamentais para a formação de estruturas em ambientes extremos?

Quando pensamos em astronomia, imagens de estrelas cintilantes, galáxias distantes e buracos negros geralmente vêm à mente. Mas há uma ciência "invisível" que também é essencial para entender o cosmos: a física dos materiais em microescala.

Um exemplo fascinante disso é o estudo do comportamento de pontes líquidas sob cisalhamento — aquelas minúsculas conexões de líquido entre superfícies sólidas.

Mas, o que é este cisalhamento?

Cisalhamento é um tipo de deformação que acontece quando uma força tenta "deslizar" uma parte de um material em relação à outra. Como se você estivesse segurando um baralho com as duas mãos e empurra a metade de cima para o lado, enquanto a metade de baixo fica parada. As cartas começam a deslizar umas sobre as outras. Esse deslizamento interno causado pela força é o que chamamos de cisalhamento.


Demonstração de mecânica de cisalhamento.
Demonstração de mecânica de cisalhamento.

Em termos técnicos,

cisalhamento é quando forças paralelas, mas em sentidos opostos, atuam sobre um objeto, tentando alterar sua forma sem necessariamente mudar seu volume.

Isso acontece quando espalhamos manteiga na superfície do pão (a faca exerce cisalhamento), quando o vento sopra sobre a superfície da água e gera ondas (o vento cisalha a superfície da água) e, no estudo que estamos falando, ocorre quando duas placas paralelas tentam deslizar uma em relação à outra, puxando ou deformando a ponte de líquido que as conecta.

"Caracterização mecânica de cisalhamento de uma ponte líquida entre duas placas paralelas via simulação no Surface Evolver" é um artigo, publicado em novembro de 2024 por pesquisadores chineses, que investigou o comportamento de uma ponte líquida confinada entre duas placas paralelas usando simulações no software Surface Evolver (software usado para estudar superfícies moldadas por forças como tensão superficial e restrições geométricas).

A ponte líquida mencionada, se refere a uma estrutura formada quando uma quantidade pequena de líquido conecta duas superfícies sólidas próximas uma da outra. Imagine duas bolinhas bem próximas — se você colocar uma gotinha de água entre elas, essa gota se estica, formando uma espécie de ponte entre as duas. Essa ponte gera forças de atração entre os sólidos, forças normais (empurrando ou puxando as superfícies) e tangenciais (resistindo a deslizes), principalmente por causa da tensão superficial do líquido. A força depende de fatores como o volume do líquido, o espaçamento entre as superfícies, o ângulo de contato e o tipo de líquido.

Essas pontes líquidas podem ser encontradas em discos protoplanetários (partículas de poeira colidem e podem grudar com ajuda de filmes líquidos ou gelo), grãos de areia molhados (ao fazer um castelo de areia, a água cria pontes líquidas que deixam a areia "grudar"), na microeletrônica (na montagem de peças minúsculas, pontes líquidas ajudam na adesão de componentes).

No artigo publicado, os cientistas concluíram que:

  • O ângulo de contato e a força tangencial aumentam linearmente com o deslocamento lateral.

  • A força normal diminui quadraticamente com o deslocamento.

  • O aumento do volume do líquido ou a diminuição do espaçamento entre as placas intensifica a força tangencial.

  • Um modelo de "duplo cone truncado" foi proposto para prever o comportamento da ponte líquida, mas ajustes são necessários para capturar com precisão o formato do menisco.

Apesar de focado em mecânica de fluidos e superfícies, este estudo tem implicações diretas em astronomia:

  1. Formação de Planetas

Nos discos protoplanetários que circundam estrelas jovens, pequenas partículas de poeira colidem e se unem. Em regiões frias e ricas em vapor, filmes líquidos de água ou outros compostos podem formar pontes entre as partículas, aumentando sua adesão.

A compreensão do cisalhamento e da força entre partículas conectadas por pontes líquidas é fundamental para modelar como planetas e luas começam a se formar.
  1. Instrumentação Espacial

A montagem de dispositivos microscópicos, como sensores e chips para espaçonaves, pode usar princípios semelhantes de adesão capilar. Entender essas interações ajuda a criar equipamentos mais resistentes para missões espaciais.

  1. Modelagem de Fenômenos Extraterrestres

Em ambientes como Titã (lua de Saturno) ou Europa (lua de Júpiter), a existência de líquidos — como metano, água salgada ou amônia — sugere que

forças de ponte líquida podem influenciar a formação de estruturas superficiais ou mesmo a dinâmica de dunas e lagos alienígenas.

O estudo do comportamento de pontes líquidas não é apenas uma curiosidade da física de materiais. Ele é uma peça-chave para desvendar como mundos se formam, como construímos nossas ferramentas para explorar o universo e como compreendemos fenômenos complexos em outros corpos celestes.

Referências

Blum, J., & Wurm, G. (2008). The Growth Mechanisms of Macroscopic Bodies in Protoplanetary Disks. Annual Review of Astronomy and Astrophysics, 46, 21-56.

Dreyer, M. (2000). An Introduction to the Mechanics of Liquids and Solids in Microgravity. Springer.

Israelachvili, J. (2011). Intermolecular and Surface Forces. Academic Press.

Lin, D.-Y. (2008). The Role of Disk Accretion in the Formation of Planets. Space Science Reviews, 139, 75-90.

ShengMing ZHANG, Wei ZHAO, JianJun YUAN, QingRui SONG, Shear mechanical characterization of a liquid bridge between two parallel plates via Surface Evolver simulation, SCIENTIA SINICA Physica, Mechanica & Astronomica, Volume 55, Issue 1, 2025, Pages 214711-, ISSN 1674-7275, https://doi.org/10.1360/SSPMA-2024-0197. Disponível em: http://www.sciengine.com/doi/10.1360/SSPMA-2024-0197

Sirono, S.-I. (2004). Conditions for sticking of grains. Icarus, 167(2), 431-452.

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tem a ver com o movimento das placas tectonicas?

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Pior que sim, o processo de deformação por movimento diferencial é bem parecido, mas o meio e a escala que são bem diferentes. Um está em rochas semi-sólidas na Terra, o outro em fluidos dinâmicos no espaço. Nas placas tectônicas, o cisalhamento acontece nas camadas sólidas (como a litosfera e a astenosfera), com comportamento de rochas que estão sofrendo alta pressão e temperatura.

Na astronomia, o cisalhamento aparece muito em fluidos astrofísicos como gases em discos de acreção, atmosferas planetárias ou no comportamento de estrelas com zonas de convecção. É um cisalhamento mais fluido, muitas vezes associado a instabilidades (tipo a instabilidade de Kelvin-Helmholtz).

Um bom exemplo de cisalhamento em astronomia é a dinâmica entre duas camadas de gases com…

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